Ao redor

12/03/2015 17:43

Olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia.

Não temos amado, acima de todas as coisas.

Não temos aceitado o que não se entende porque não queremos passar por tolos.

Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro.

 Não temos nenhuma alegria que não tenha sido catalogada.

Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora, pois tememos que as catedrais que nós mesmos construímos, sejam armadilhas.

Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.

Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: TENS MEDO!

Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda.

Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes.

 Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer a sua contextura de ódio, de ciúme e de tantos outros contraditórios.

Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa.

Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada.

Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe.

Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses.

Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer «pelo menos não fui tolo» e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz.

Temos sorrido em público mais do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos.

Temos chamado de fraqueza a nossa candura.

Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.

Clarice Lispector